Pontos de Vista
Gestão de Crise | Fevereiro 2023
Novas crises para velhas reputações
Ricardo Salvo
Partner CVA
Uma crise hoje tem todos os ingredientes para comprometer a reputação amanhã. Os ataques informáticos que se intensificaram nos últimos meses estão a gerar uma série crise de confiança na relação digital das empresas com os seus clientes. A comunicação pode ser a chave para sarar as feridas da reputação mais depressa.

Por vezes perguntam-me, “Qual o erro que as empresas mais cometem atualmente em comunicação?”. Não sei se há um que se destaque, mas há um ponto que habitualmente lembro a quem nos consulta e que estranhamente é descurado recorrentemente: preparem-se para uma crise. Assim de repente, dizê-lo deste modo, quase de forma fria e dura, parece intimidante. É porque, na verdade, trata-se de um aviso.

O sentimento de que há coisas que só acontecem aos outros quase faz parte da forma de estarmos na vida, e são inúmeros os casos de organizações que não guardaram parte do seu orçamento de comunicação para o que um dia possa correr mal e depois, por falta de preparação, o correr mal transforma-se em correr pior. Muitas vezes é em processos de auditoria de comunicação e de levantamento de situações que têm de figurar no manual de crise que os clientes ficam estupefactos com o que lhes pode correr mal. As seguradoras que digam se tenho ou não razão.

Este é um tema batido. Mas é um tema que ganha toda uma nova relevância quando grande parte das crises a que temos assistido nos últimos meses – agravando-se significativamente com o período de pandemia de Covid 19 – têm a cibersegurança e os ataques informáticos como protagonistas. Estamos, portanto, a falar de duas componentes que muitas empresas – incluindo grandes multinacionais – deixam mais vezes do que seria sensato para o fim da lista das prioridades: investimento em segurança informática e preparação estratégica de comunicação para a eventualidade de algo de indesejado acontecer.

E se há crises que se repetem, como o sinistro com um colaborador, um acidente em ambiente industrial ou derrame com impacto ambiental, e, portanto, a recorrência permite aprender com os erros e com análise de benchmark, o mesmo não se pode dizer de novos formatos de crise e com graus de sofisticação que aumentam em poucos dias.

Hoje são poucas as empresas que não tenham uma relação digital com o cliente. Por questões práticas, e porque o Mundo pula e avança, a relação das organizações com os seus públicos é feita no maravilhoso mundo dos bits e dos bytes, o que implica ter bases de dados com informação que vale ouro e que pelas suas especificidades não implica o arrombamento de portas (físicas, pelo menos) para ser roubada.

E se o mundo digital, apesar de o seu sentido prático dar todo um novo significado aos conceitos de espaço e tempo, já é visto com desconfiança por franjas significativas da população (e não é apenas uma questão geracional), pior fica quando soa a notícia de que os meus dados, que eu julgava seguros nas mãos de a quem os confiei, andam à solta nas mãos dos piratas dos novos tempos. E mesmo quando a empresa consegue resolver a situação, quem me garante que não volta a acontecer? É o que tem acontecido com empresas dos mais variados setores, desde grupos de media até empresas de telecomunicações, bancos e empresas de serviços básicos.

Numa situação de crise há sobretudo dois danos a reparar (ou três, quando há vidas que se perdem). Um, que é o da solução mais prática da crise, até pode ser resolvido rapidamente, com dinheiro, com pagamento de prejuízos, com investimentos para que não se repita. Outro, muitas vezes dura tanto tempo como uma ferida de guerra: o dano na reputação. As relações – todas – fazem-se de confiança, e quando a confiança se quebra, não há uma ciência exata para a sua restituição. Por isso, repito, os primeiros passos residem na prevenção, sobretudo no levantamento de todas as situações que podem correr mal, e depois nas soluções que mais bem irão proteger a reputação da empresa.

Pode parecer exagero, mas entre duas crises iguais, a comunicação é a chave para o futuro de quem a protagonizou. Por isso, se para já o ponto fraco for o de não ter um bom manual de crise e uma boa preparação para a sua eventualidade, o meu conselho mais imediato é que se ponha já mãos à obra para corrigir o tema. A comunicação pode não reparar os males de uma crise inesperada, mas pode aproximar as empresas das pessoas, podendo até, por vezes, transformar-se em oportunidades.

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